A LUTA PELA ANISTIA POLÍTICA DE 1979.

DIÁRIO DA MANHÃ

18/09/2009

ALAOR BARBOSA

 

Intensa, difícil, trabalhosa e, da parte dos poucos que a iniciaram e travaram, solitária e um tanto quixotesca foi a luta dos brasileiros que iniciaram e sustentaram a campanha da anistia política consumada em agosto de 1979. Passava eu, um dia, acho que em 1978, num sei se de manhã ou à tarde, pela calçada direita da Praça do Bandeirante (na verdade, Praça Atílio Correia Lima), em frente ao edifício Minasbank, vi sentado humildemente a uma pequena mesa meu amigo (sem convivência assídua) João Divino Dorneles, angariando assinaturas em uma espécie de manifesto ou requerimento em favor da anistia política. Me tocou a cena. Repito: para fazer aquilo era preciso humildade, abnegação, idealismo, bondade, firmeza de caráter, coragem. Muita gente, ao passar diante dessa espécie de postulante, olha com desinteresse e mesmo menosprezo. Talvez a maioria. F, é claro, sem titubear e com absoluta espontaneidade e empenho, que eu assinei. Notei a profunda satisfação e gratidão de João Divino Dorneles. Pensei comigo: “Por que essa gratidão, João Divino, se a sua luta é a minha e a da Nação brasileira?” Perguntei a ele como ia a luta. Ele disse: “Estamos lutando! Estamos no começo.” Num me recordo se nessa ocasião João Divino já era deputado federal. Acho que não. A ele me vinculava, entre outras lembranças, esta: quando, no dia 19 de agosto de 1964, adentrei a Escola General Fico, no 10º Batalhão de Caçadores, para ali passar dezenove dias preso por ordem dos militares que executavam em Goiânia o Golpe Militar de Abril de 1964, avistei logo, no quadro-negro daquela sala de aula transformada em ergástulo político, vários nomes de pessoas que me haviam precedido naquele lugar desvirtuado,  e um dos nomes era o de João Divino Dorneles. Depois, fomos colegas, durante muito tempo, no grupo de 142 indiciados da farsa do IPM que ofereceu apoio e falsas razões para a deposição do governador Mauro Borges Teixeira, consumada em novembro.

A
luta pela anistia vitoriou-se afinal, e não muito tempo depois.  E de alguns modos, passados trinta anos da sua consumação em lei, continua até hoje, na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, que tem proporcionado reparações pecuniárias (as únicas possíveis, quarenta e tantos anos depois) a um grande número de pessoas atingidas pela violência política e que, com o reconhecimento desse fato, obtêm a declaração de anistiado político.

Uma das entidades que propugnaram em favor da anistia é a Ordem dos Advogados do Brasil. E também o Instituto dos Advogados Brasileiros. Cabe, para efeito de justiça histórica, registrar o nome de um advogado fluminense, nascido em Niterói, que patrocinou e defendeu, com coragem e equilíbrio, desde os primeiros momentos do início da luta, no âmbito dessas duas entidades de classe dos advogados, a participação delas no processo da campanha. Refiro-me a Aloysio Tavares Picanço. Ele foi o relator de uma indicação, no Instituto dos Advogados Brasileiros, em fevereiro de 1978, sobre a anistia política, então uma aspiração bem vaga e distante e que era politicamente perigoso mencionar em público. Seu parecer e voto, aprovado em 12 de fevereiro de 1978, foi muito afirmativo.  Nele, Tavares Picanço cunhou a expressão “anistia geral, ampla e irrestrita”, que se tornou, logo depois, o lema da campanha abraçada por crescente número de brasileiros. Dentre os quais salientou-se o grupo de mulheres do Comitê Feminino pela Anistia, criado por Therezinha Godoy Zerbini, responsável pelo fortalecimento gradual e veloz do movimento que aos poucos foi se tornando popular. A segunda ação praticada por Aloysio Tavares Picanço consistiu na sua proposta, apresentada ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 7 de fevereiro de 1980 e, formalmente reapresentada, aprovada na VIII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, na cidade de Manaus, Capital do Amazonas, de se declarar a necessidade de se convocar, para o quanto antes, uma assembleia nacional constituinte.

Naquela quadra, era precisa uma boa dose de coragem individual e política para defender tais ideias e propostas. Aloysio Tavares Picanço atuou a um tempo com coragem e equilíbrio, estribado na convicção de que o advogado tem o dever de defender causas sociais justas, mais do que o de exercer bem a sua profissão no âmbito privado. Essa ideia, que ele tem defendido com firmeza e constância, foi expressa por Levy Carneiro, o principal responsável pela criação da Ordem dos Advogados em novembro de 1930, e seu primeiro presidente, nestes termos, que Tavares Picanço frequentemente gosta de citar: “Tenho sempre afirmado que nosso dever de advogados, de juristas, de homens voltados ao culto da ordem jurídica – é, menos a defesa de interesses eventuais de certo número de indivíduos envolvidos em pleitos jurídicos, que os da própria coletividade nacional.”